Juiz diz que tráfico sustenta a economia de Cáceres

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A economia de Cáceres (225 km a Oeste de Cuiabá) irá "quebrar" se acabar o tráfico de pasta-base de cocaína vindo da Bolívia. A afirmação é do juiz da Vara Criminal e de Execuções Penais, Alex Nunes Figueiredo, destacando que 80% da droga que entra no Brasil passa pelo município. Os últimos dados da Justiça também apontam que 41% dos homens e 97% das mulheres presas na cidade estão envolvidos com o crime.

Durante dois dias, é realizado no Campus da Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat) o 2º Encontro de Fronteira. O objetivo é discutir formas efetivas de combate ao tráfico de entorpecentes na região. O primeiro encontro aconteceu ano passado em Ponta Porã (MS) e também focou no tráfico, mas de maconha, vinda do Paraguai.

O juiz Alex Figueiredo destaca que Cáceres está muito "dependente" do tráfico, que injeta recursos no município de mais de 87 mil habitantes. "Cáceres não tem indústria, falta infraestrutura, possui uma economia voltada para o rio (Paraguai) que 4 meses é parado por causa do Piracema. A pecuária não traz riqueza e o dinheiro também vem do servidor público. É uma cidade que tem um padrão de vida um tanto alto. Eu fico me perguntando de onde vem esse dinheiro".

Essa constatação do juiz, que trabalha há 7 anos em Cáceres, foi baseada nas várias interceptações que a Polícia Federal faz (autorizada por ele) e pelos bloqueios de conta bancária. Figueiredo foi quem concedeu os mandados de prisão em 2 operações relacionadas com o tráfico de drogas: a "Volver" e a "Re-Volver". De 16 pessoas detidas nessa última operação, 8 eram de Cáceres. "O dinheiro que gira aqui é muito alto. O poder público deve encontrar alternativas para melhorar a economia".

Também presente no evento, o prefeito de Cáceres, Túlio Fontes (DEM), desconversou sobre o assunto, argumentando que o município merece mais atenção do poder público federal. "Cáceres não é o único que tem problemas com drogas".

Fontes disse que o aeroporto local, com uma pista de 1.870 metros de comprimento, deveria ser homologado para que uma base da Aeronáutica seja instalada. O principal meio de entrada de entorpecentes no território brasileiro é pelo arremesso de drogas em propriedades rurais de grande parte dos 28 municípios mato-grossenses que compreendem a faixa de fronteira. "(Sem recurso) não tem como eu montar uma guarda municipal".

O principal segmento econômico de Cáceres é a pecuária, mas também possui 74 mil hectares de Teca plantados e o turismo, tanto pelo Festival de Pesca quanto pelo Pantanal.

Combate

O coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), procurador de Justiça Paulo Prado, destacou que deve haver uma "união para fechar a fronteira". O "fechar", segundo ele, está relacionado a instalação de radares, satélites, aumento do efetivo e até a aquisição de aviões não-tripulados.

Cáceres tem direito a receber R$ 800 mil pelo Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). Com esse recurso seria construída uma central de monitoramento por 20 câmeras no município. Atualmente, só Rondonópolis (212 km ao sul de Cuiabá) recebeu essa verba. Cuiabá e Paranatinga (375 km da Capital) assinaram o convênio com o governo federal, mas ainda não adquiriram o recurso. A administração de Cáceres ainda não fez a assinatura.

Relações externas

Os integrantes do 2º Encontro de Fronteira discutem a responsabilidade da Bolívia na entrada de entorpecentes em Mato Grosso. Extraoficialmente, alguns representantes de entidades públicas apontam que, depois que o presidente Evo Morales assumiu o poder no país vizinho, aumentou consideravelmente a quantidade de pasta-base de cocaína no Brasil e também a frequência para a entrada da droga. A apresentação de painéis e debates, que aconteceram na tarde de ontem, foi de "portas fechadas", sem a presença da imprensa.

O procurador-geral de Justiça de Mato Grosso, Marcelo Ferra, destacou que, além de uma política pública de combate ao tráfico, deve haver um "endurecimento nas relações externas". "Temos que chamar o país vizinho para conversar. A Bolívia podia fazer mais".

Ferra lembrou que é preciso o Brasil criar um projeto específico para a fronteira, que afeta não apenas Mato Grosso, mas todo o país. Ele acredita que esse trabalho pode ser feito a médio prazo.

O comandante da Polícia de San Mathias (município boliviano que faz fronteira com o Brasil), capitão Alvaro Perez, destaca que o governo de seu país conta com supervisão da Unidade Móvel de Patrulhamento Rural (Umopar), que é financiada pelo governo dos Estados Unidos. A Umopar é um braço da Força Especial de Luta contra o Narcotráfico (FELCN), que pertence à Polícia da Bolívia.

No entanto, ele afirma que os recursos para manter o trabalho da equipe diminuíram após a entrada de Evo Morales na Presidência. Morales criou um governo de apoio ao presidente da Venezuela Hugo Chaves, que, frequentemente, assume embates com os norte-americanos.

Na opinião do tenente Marco Hurtado, também da Polícia de San Mathias, um dos motivos para a fácil entrada de entorpecentes no Brasil é a forma como a população boliviana ocupou o território. "Lá é diferente do Brasil. Aqui vocês ocupam a área rural. Os bolivianos ficam mais na cidade e a fronteira fica vazia".

Alguns integrantes do encontro lembram que, recentemente, o governo vizinho intensificou o combate, isto porque houve mudança na administração do município de San Mathias. Mas números recentes contrariam essa informação. Em todo o ano de 2009, foi apreendida mais de 1 tonelada de entorpecentes. Até o início de junho deste ano, a apreensão chegou a 650 quilos, mais de 100 quilos por mês.

O encontro vai até hoje e reúne procuradores, promotores, juízes, políticos, policiais e militares de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rondônia e mais 10 estados brasileiros, além de representantes do governo boliviano.

 

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