Quarentena para juízes entrarem na política tem alvo certo: Sérgio Moro

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IstoÉ


Esquentou em Brasília nos últimos dias a discussão sobre uma regra que obrigue juízes a aguardar oito anos para se candidatar a um cargo político, depois de deixar a magistratura.

Quem defende a ideia diz que ela vai impedir os magistrados de usar o cargo como trampolim eleitoral. Diz ainda que se trata de uma cautela geral: nada a ver com atingir um único personagem, o ex-juiz Sérgio Moro, que desponta como possível candidato presidencial em 2022.

É casuísmo ou não é? Vamos olhar em volta.

No final de 2018, o Brasil tinha mais de 18 mil magistrados em atividade. Esses sãos os números oficiais mais recentes, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Excluídos (talvez) os ministros do Supremo Tribunal Federal, quantos desses magistrados são figuras públicas de grande expressão, nomes que as pessoas reconhecem facilmente, assim como reconhecem os principais políticos e as celebridades?

Puxe pela memória. O número é ínfimo, sem dúvida nenhuma.

Talvez porque os casos de grande repercussão não sejam prevalentes. São raras as chances de quem julga causas de família, de falências, de direito tributário, de direito do trabalho – e assim por diante – aparecer na imprensa. A regra é que o trabalho se faça em silêncio.

E para quantos dos 18 mil juízes brasileiros será que a atividade política é um canto de sereia irresistível? Mais uma vez, os números são irrisórios.

Dos cerca de 90 processos disciplinares julgados pelo CNJ desde sua criação, em 2004, apenas um resultou em aposentadoria compulsória pelo exercício de atividade político-partidária, algo que é vetado aos juízes pela Constituição e pela Lei Orgânica da Magistratura. Um segundo resultou em advertência. Ambos estavam relacionados ao envolvimento com a política de cidades do interior.

No começo deste ano, outro caso foi levado ao Conselho Nacional. Dessa vez, a repercussão foi maior. Marcelo Bretas, que trabalha em processos da Lava Jato no Rio de Janeiro, apareceu em eventos públicos não-oficiais ao lado do presidente Jair Bolsonaro. A OAB pediu que sua conduta fosse avaliada. Ainda não há decisão.

Existe a questão das redes sociais.

Como hoje boa parte da atividade política é virtual, o CNJ achou por bem publicar uma resolução, em 2019, com diversas regras sobre o comportamento dos juízes nesse ambiente. Entre elas está a recomendação de que se evitem “manifestações que busquem autopromoção ou que evidenciem superexposição, populismo judiciário ou anseio de corresponder à opinião pública”. E ainda a proibição de “emitir opinião que demonstre engajamento em atividade político-partidária ou manifestar-se em apoio ou crítica públicos a candidato, lideranças políticas ou partidos políticos”.

Duas associações de magistrados, a AMB e a Ajufe, apresentaram ações no Supremo, argumentando que a resolução é inconstitucional. Mas, para além da questão de princípio, será que a resolução interfere tanto assim no dia a dia da maioria dos juízes do país?

Não é o que sugere uma pesquisa sobre o perfil do Judiciário brasileiro realizada no começo do ano passado pela AMB. Perguntados sobre os grupos de troca de mensagens e sobre as redes sociais de que participavam, a maioria dos juízes, em todos os níveis de magistratura, disse que os mais importantes eram aqueles que serviam para a comunicação com a família e os amigos. Poucos disseram participar de grupos de debate.

A mesma pesquisa mostrou que a maioria absoluta dos juízes (os números vão de 66% a 70%, a depender da insância) acredita que o Poder Judiciário “deve promover a realização plena do Estado de Direito, garantindo a aplicação da lei e a sua correta interpretação”.

Só uma minoria se contrapôs a essa visão técnica de sua missão, preferindo uma formulação de pegada mais política. Para 12,8% dos juízes de primeira instância, 11,2% dos de segunda e 14,8% dos de tribunais superiores, o Poder Judiciário “deve atribuir-se um papel ético-moral na sociedade, educando-a para a vida pública e a cidadania”.

A conclusão que se tira de todos esses números é que o risco de uma multidão de juízes querer usar o cargo como palanque eleitoral é bem pequeno. Não é urgente criar uma regra rigorosa de dissuasão – uma quarentena de oito anos – para impedir uma classe inteira de profissionais de fazer esse movimento, por uma simples razão:  a onda, ou movimento, não existe.

O intervalo de oito anos é um espanto. Esse é o tempo de inelegibilidade com que um político é punido ao ter o mandato cassado. Ou melhor: desde o impeachment de Dilma Rousseff, surgiu a possibilidade esdrúxula de haver cassação sem inelegiblidade. Assim, juízes estariam, por definição, e apenas por serem juízes, sujeitos a um gancho do qual políticos flagrados em crime de responsabilidade hoje podem escapar.

E se os oito anos forem apenas um jeito de pôr o bode na sala –  uma sugestão extravagante para que lá na frente se consiga aprovar uma lei com prazo menor de quarentena?

Se for isso, é ruim da mesma forma. É mais um sinal de que a discussão não é séria, mas enviesada. Seu objetivo não declarado, falando em português claro, é mesmo inviabilizar a candidatura de Sérgio Moro.

Acredito que as travas para que juízes se envolvam com política são indispensáveis. Acredito que quem sai da linha precisa ter punição disciplinar rigorosa. Acredito, por fim, que perder os estupendos benefícios da magistratura – vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos – já é “punição” forte o bastante para quem resolve pular do fórum para o palanque. Sem falar no desgaste do escrutínio público, dos ataques de adversários e de todo o jogo pesado da política.

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